Quando me dava conta o sangue já escorria por meu queixo e minha mandíbula quebrava os osso de alguém. Ao chão, uma mulher sem a metade de baixo do corpo mantinha os olhos fixos em um ponto, sua vida já havia se esvaído há tempos.
– Até que o tempo passou rápido. Dizia a mim mesmo, pondo-me a devorar o restante daquele corpo. Engolia os últimos resquícios quando pude sentir o cheiro diferente de uma alma. Inevitavelmente um sorriso dançou em meus lábios conforme sussurrava.
– Acho que tenho um pouco mais de tempo antes que Aia volte a me perturbar.Minhas patas moviam-se de forma rápida e precisa, levando-me de telhado em telhado em direção ao foco daquele cheiro delicioso. Tamanha era a vontade de ingerir a alma que emanava aquele aroma que, durante o percurso, sequer notava as demais que corriam e escondiam-se ao visualizarem minha presença. Por fim a via; meu interior clamava pela consistência daquela criança em minhas presas e o gosto de seu sangue em meu paladar.
Meu corpo estava prestes a saltar contra o garoto quando inesperadamente outra criança surgia, acompanhando-o ao lado enquanto andavam em direção contrária a minha. O fato curioso não era eles não terem percebido minha presença, apesar da distância que mantinha, e sim eu não ter sentido o cheiro deste outro humano. Assim como o primeiro, sua alma exalava um cheiro que me fazia salivar apenas ao imaginar sua carne entre meus dentes.
Sem hesitar, corria em direção às presas de forma a alardear minha presença para que ambos percebessem, e de fato perceberam. Como se já estivessem acostumados com aquele tipo de perseguição, mantinham-se calmos e começavam a correr, pulando cercas e esgueirando-se entre vielas para dificultar minha movimentação.
– ISSO, FAÇAM SER DIVERTIDO! Exasperava, apoiando-me na parede de uma casa para saltar sobre um dos garotos. Acertava-o com uma patada na cabeça que, com a força do impacto, arremessava-o longe tirando sua consciência no mesmo momento. Pasmo e incrédulo, o segundo humano – aparentemente irmão do que acabara de cair – gastava o escasso ar em seus pulmões em um desesperado grito de inconformidade e negação. Irracional, investia contra mim com os pulsos cerrados à frente do corpo, como se pretendesse me apunhalar com as mãos. Não pude conter o riso enquanto minha cauda perfurava seu tórax.
– Agora sim você está fazendo as expressões que eu queria ver. Minhas palavras alcançavam o último suspiro de vida daquela criança que, antes que partisse de fato, tinha sua vida tomada pelas fileiras de dentes em minha boca. Um ínfimo instante fora necessário para devorá-lo completamente, apesar do poder espiritual elevado, seu corpo mal possuía um metro e meio.
– Você é o único que resta. Dizia ao humano desmaiado como se fosse capaz de me ouvir. Utilizando novamente minha avantajada cauda, enrolava-a em torno do tornozelo do menino e levantava-o, deixando seu corpo próximo ao meu focinho.
– Assim não é divertido. Vamos, acorde. Chacoalhava-o na esperança de que acordasse, mas havia exagerado na força do golpe que o fizera desmaiar. Conformado, engolia-o sem sequer a necessidade de mastigá-lo completamente, quebrando apenas alguns ossos para que o corpo não incomodasse até o trajeto ao meu estômago.
– Você é nojento, Aoi. A voz feminina ecoava em minha mente. Era Aia, aquela maldita, estava demorando a dar as caras.
– Tch. Já estou voltando. Sussurrava de forma relutante enquanto rasgava as dimensões rumando a monotonia do Hueco Mundo.
HP. 200 RT. 180 ST. 180