Dentre todas as crianças que esperava por uma segunda família, uma nova chance, eu fora o escolhido. Tudo começou alguns dias atrás quando um casal diferente veio ao orfanato a procura de uma criança. Estes não exigiram nenhum tipo de criança, apenas pediu para que lhes mostrassem as crianças disponibilizadas. Todas sem exceção foram colocadas diante de seus olhos esperançosos. Quando a minha vez fora chegada o nervosismo e a ansiedade tomara conta do meu corpo, era claro que como qualquer criança ali eu queria uma nova família. Uma vida familiar me fora tirada muito cedo e eu queria pelo menos tentar uma segunda vez. Diante de dois homens eu ri, não um riso debochado ou qualquer outro, fora um riso sincero e feliz. Era um casal diferente de todos que já nos procuraram, uma mulher se ausentava, e nesta ausência um outro homem ocupava. Senti estes me olharem com um sorriso terno e eu sem entender retribuí. Lembro-me das conversas que se seguiram dali, “do que você gosta”, “você tem quantos anos? Diversas perguntas foram me dirigidas, perguntas essas que tinham um único foco, minha pessoa.
Hoje a concretização deste sonho acontecia, estava junto a este casal dirigindo-me a sua casa que não ficava muito longe do orfanato. O coração no peito ainda jazia apertado, pois a despedida acontecida horas atrás não só afetara-me, como todos no orfanato. Conhecia todos no orfanato e falava com todos, minha personalidade foi reconhecida desde o primeiro dia, uma pessoa gentil e alegre. Sei que muito ali sentiram das tardes em que eu os acompanhava e lhes divertia, mas nos mesmo olhos que vi tristeza ao me ver sair, encontrei a felicidade destes ao me ver partir, afinal eu estava recomeçando minha vida.
De repente senti um calafrio que subiu minha espinha fazendo os pelos do meu corpo arrepiarem. O frio veio depois, imperceptivelmente estava esfregando meus braços tentando reduzir este frio súbito. – Está com frio? – Perguntou um de meus pais que me olharam com surpresa. Assenti com a cabeça recebendo em troca um casaco. Dentro das vestes peludas daquele casaco o frio ainda me abraçava. Não queria demonstrar isso para ambos, pois não queria passar por doente no primeiro dia. Não que eu fosse, mas eu não era como as outras crianças eu via coisas, eu sabia de coisas. Eles logo perceberam minha inquietação e começaram a puxar papo comigo, e foi nessa conversa que deixei algo passar despercebido pelo retrovisor, algo nos seguia, um demônio. Demônios, fora a única resposta que obtive a respeito de monstros defeituosos que me seguia, ou por vezes enxergava. O que me deixava um pouco desconcertante era a presença de um buraco em seus peitos, sempre. Sobre seus rostos jazia uma máscara branca, que para cada um alterava-se. Uma vez consegui ver um monstro que possuía uma máscara branca quebrada ao meio, algo que me fizera se esconder durante o resto da tarde naquele mesmo dia.
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Cuidado! – O som escapou por entre meus lábios quando pelo retrovisor avistei um enorme demônio pular e tentar alçar-se na traseira do carro. Meus pais me olharam sem saber o que estava acontecendo. “Mas é claro... eles não veem.” –
Não é nada, pensei ter visto um lombarda. – Disse com um sorriso no rosto envergonhado. Por quê hoje? Dentre todos os dias do ano, hoje? O demônio não parou de tentar, durante toda a viagem ele tentava alcançar a traseira do carro e a cada tentativa o coração me deixava. – Chegamos... – As pernas do motorista “meu pai” encontram o freio e ao mesmo tempo o demônio encontra as traseiras do carro fazendo-o elevar-se. Quando o carro deixou o chão ambos os homens vieram em minha direção entrelaçando-me em seus braços. “Me deixem... Eu sou a causa disso” Fora as palavras que pensei para dizer, mas as únicas que escaparam por entre meus lábios foram. –
Obrigado. – Foi um sentimento novo, eu não queria estragar... Mas o preço que se seguiu foi alto demais para aproveitar somente um momento. A porta do carro fora arrancada, por entre as frestas criadas unhas de tamanho anormal adentraram o espaço do carro encontrando não só a mim como meus pais. Logo fomos arrancados de dentro do carro jogados para longe. No ar os braços de meus pais que entrelaçavam-me deixou-me, separados cada um encontrou um local aonde se colidiu, encontrei a calçada, meus pais choraram-se contra uma parede que se rompeu. Vi seus olhos fecharem e a coincidência os deixarem. Eles desmaiaram. –
Pais – Gritei chamando-os pela primeira vez o nome que receberiam no mais tardar.
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Deliciosoooo. – O demônio falou. Ao perceber que este falara deixei minha guarda baixa e um novo golpe me jogou para longe. Dessa vez encontrei o tronco de uma árvore e senti uma dor imensurável. Meus olhos porém não se fecharam como os de meus pais, eu era mais forte, meu corpo suportava mais. –
Soborosooo. – Dizia o atacante encontrando-me. Suas garras pressionaram o meu corpo para baixo e senti o chão abaixo de mim ceder e amassar, ao meu redor o chão começou a quebrar, mas meu corpo ainda existia, ainda suportava. –
Diferenteeee – Somente monossílabas deixavam o buraco de sua face, que parecia ser sua boca. A atenção deste foi atraída quando ambos os homens levantaram indo em minha direção.
“Não venham! Corram!” Tentava gritar. O peso da garra sobre meu corpo fechava por completo minha garganta travando não só minha voz como o meu oxigênio. Aos poucos sentia meu corpo ceder, meu corpo suplicava por ar. “Obrigado...” Disse olhando num último instante para os homens que seriam meus pais. Senti a garra soltar-me e então abri os olhos. Os gritos de ambos vieram primeiro, depois suas imagens. Em seus peitos haviam rasgos enormes provenientes das garras do demônio, um ataque, um ato. Um ato que não podia perdoar.
O medo, o anseio, a insegurança. Todos sentimentos de fracassos deixaram o meu corpo. Coragem, determinação e amor. Ocuparam. Com uma força desconhecida que me preenchera consegui me levantar e fitar aquele monstro. Este por sua vez voltou sua atenção novamente para mim, ele estava surpreso, eu também. – Não toque neles! – Gritei. O som foi ganhando força e alcance, até encontrar o monstro. O ar que nos rodeava agitou-se e uma espessa energia começou a rodear-nos. Esta energia azulada tomou-me como centro, o centro do mundo. Meu cabelo longo começou a voar para cima tamanha era a energia. Energia essa que me tinha como criador. O demônio ficou paralisado observando-me, observou então um garoto de oito anos despertar um poder oculto, um poder que ele julgava ser maior do que ele. Com essa menção partiu contra o humano menor tentando decepa-lo.
Não só minha força como minha percepção estava maior, vi o rastro de suas garras tentando me acertar e abaixando o meu corpo para alcançar o solo o vi rasgar o vento acima de mim. O poder subiu-me a cabeça, pois ingenuamente soquei as garras acima da minha cabeça. Senti a pele rasgar e o sangue deixar minhas mãos. –
Droga... – Disse rolando para o lado distanciando-me. O conhecimento do poder não era o bastante, sabia que de alguma forma esse poder ocupava-me, mas de nenhuma forma conseguia libera-lo. Ao fundo os ganidos de meus pais me alertavam de seus estados. Eles estavam morrendo. A espessa energia azulada concentrou-se em apenas um objeto que jazia entre meus dedos um anel. Único objeto que podia dizer que era meu, um anel dado por minha “irmã” do orfanato. Este tremeluziu e liberou uma rajada fina de energia para cima. Sobre a pressão dessa energia sua forma alterou-se e prolongou-se na forma de uma espada longa. Uma bainha branca a guardava, sob essa bainha jazia esparadrapos selando a empunhadura da bainha. Uma empunhadura envolta de panos vermelhos jazia entre meus dedos. O poder que me rodeava se infiltrou-se somente na espada ao meu comando. “Eu consigo!” Disse a mim mesmo.
O espaço entre eu e o demônio reduziu quando parti em sua direção e este veio me atacar, garra e lamina encontrou-se gerando ondas de poder para todos os lados. Meu corpo apesar de inexperiente soube o que fazer, ou a lâmina soube. Os panos que bloqueavam o sacar da lamina afrouxaram e prenderam as garras destes. Com a lamina amostra deslizou por entre as garras alcançando mãos, braço, peito e por fim sua cabeça.
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Eu consegui... – Disse chorando tombando para o lado percebendo o anel em meu dedo e olhando uma última vez para seus pais com vida.
Ander: h: 150, r: 150, s: 150